De todos os processos burocráticos que nos oferece a nossa competente, civilizada e avançadíssima civilização, a renovação do bilhete de identidade é a que me suscita maior interesse: ter a oportunidade de fazer um resumido balanço da minha existência traz-me prazer; uma avaliação estática de um processo dinâmico. Solteiro? Ainda. Quem me pariu e com a ajuda de quem? Que número é o meu? O meu número? Que número me foi atribuído? Uma foto? Actualizar a minha imagem? Serei válido por quantos anos? Quanto falta até prescrever? O meu dedo negro no papel.
A funcionária mede-me e, desconfiada, espreita por cima do balcão para verificar as solas das Adidas. Não. Não estão viciadas, e oferece-me mais dois centímetros. Hoje sedimentei a minha posição dentro do clube dos metros e oitenta; vivia eu na ténue linha entre as 70 dezenas de centímetros (para além do metro estrutural que me caracteriza como humano-não-liliputiano) e a classe imediatamente superior. Antes tinha 1m80cm, e não sabia onde pertencia. Agora posso afirmar que me distingo como membro semi-alto da existência humana.
Não sei quem sou, mas sei quanto meço.
Para me congratular com esta pequena vitória, levei o Sebald para um café.
3 Velhotes colados no pequeno ecrãn vendo o mundial de surf e nenhum deles parece ter notado que cresci.
quarta-feira, fevereiro 22, 2006
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6 comentários:
Mingaste foi?
o pior é o que pagas só pela porcaria dos impressos, uma roubalheira!
Uma questão de perspectivas.
Como se a nossa identidade pudesse estar impressa naquele pedaço de papel amarelado....Às vezes...até seria bem mais fácil.Olhar para aquela fotografia (normalmente mal amanhada), ver o tal dedo negro, altura, nome dos progenitores e...voilá....já sabemos quem somos!
A renovação de documentos deste género tem sempre episódios engraçados. Não fosse a função da Função Pública....
Vou ter de o renovar em breve, também...prevêem-se secas. Espero ser surpreendida por funcionários eficazes e céleres. Ou de como sou persistente em manter cenários utópicos :)
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